Ele estava prestes a comer e sua mãe filmava o momento diário onde as câmeras viram coadjuvantes no cotidiano trivial. Todavia, o conhecimento do que comeria em segundos fez do pequeno vídeo um sucesso no YouTube. “Polvo? Mas ele morreu? Eu gosto dele vivo, em pé. Devemos cuidar dos animais”, foi a fala do garotinho, vista por milhões de usuários que fizeram coro com a mãe na emoção de constatar uma afeição sincera aos outros seres vivos. Não matar os animais é um dos motivos que mais levam as pessoas a adotarem um regime vegetariano, consolidado em muitos países ditos elevados espiritualmente, como a Índia e recantos da Ásia.
Bem menos por motivos de alma e sim pela própria carne – com a infelicidade do trocadilho – milhões de brasileiros têm abdicado dos produtos animais, incluindo aí leite e ovos, por uma dieta mais leve e saudável, na constante busca por longevidade. Sim, você leu certo, caro leitor: milhões. De acordo com uma pesquisa do Ibope, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, cerca de 9% da população nacional recusam carne no prato. Para facilitar seu cálculo, estamos falando de 17,5 milhões de pessoas!
Cátia Simões é uma das que engrossam o caldo, de legumes, no caso, dos que se livraram de uma dieta rica em gordura saturada. “Eu tive uma parada cardíaca com 34 anos. Meu pai morreu de infarto aos 50, pesando 126 kg. Achei que não podia continuar me matando assim, pela boca”, explica a analista de sistemas que perdeu metade do peso em 3 anos, viu o colesterol baixar para índices saudáveis e nunca mais sentiu dores nas articulações nem o mal estar típico pós-refeições. “Eu posso sonhar com um futuro saudável e isto já está sendo passado para meus filhos. O mais novo, de dois anos, nunca experimentou carne e, enquanto depender de mim, vai continuar sem saber o gosto de bicho morto”, enfatiza.
Embora na moda, com vários artistas e celebridades afirmando nas redes sociais seu estilo de vida à base de frutas, verduras e legumes, o vegetarianismo é bem antigo. Se considerar a teoria criacionista, Deus fez os vegetais, incluindo cereais, como única fonte de alimentação e energia. Plano que foi quebrado após o dilúvio, encurtando o tempo de vida do homem. Sim, com carne se vive menos! Entre os adeptos da teoria evolucionista há os que afirmam que o caçar carne se deu num período após uma fase onde o ser humano se abastecia plenamente com uma alimentação vegetariana. Parece que nisto as duas correntes científicas estão de acordo.
No Oriente e na Europa existem registros de largo proselitismo em prol dos vegetais em detrimento das carnes. Entre os monges, nos primórdios da Igreja Cristã, a prática era adotada para ajudar a controlar as paixões e impulsos mais baixos. Entendia-se no início do século VI que uma mente abastecida com os frutos da terra era mais forte para pensar em Deus e resistir às tentações. Santos vegetarianos!
Bem na contramão dos clérigos, o biólogo Marco dos Anjos Siqueira era do tipo que nem pensava em mudar os hábitos alimentares, a despeito de ser adventista do sétimo dia, igreja na qual se prega preceitos de temperança e vegetarianismo para manutenção da saúde, longevidade e melhor relacionamento com Deus. “Eu salivava ao ver uma vaca andar na rua”, exagera o rapaz de 29 anos que foi desafiado a uma mudança radical no estilo de vida. “Fizemos um bolão no trabalho, motivados por um programa que vimos na internet. Em grupo ficou mais fácil e ao sentir os primeiros resultados eu me motivei”, afirma Siqueira, que perdeu 15 kg e teve o sono reabilitado. O desafio do grupo acabou, mas ele continua na linha há um ano e meio. “É engraçado que as pessoas olham pra você e se espantam. Pensam que, por não comer carne, não comemos coisa nenhuma, como se não houvesse todos os outros alimentos”, pondera.
Para o médico coreano e adepto do vegetarianismo, Jea Myung Yoo, existe um mito em torno da proteína e as pessoas consomem doses muito além do que é necessário. “Uma alimentação totalmente vegetaria requer mais que abstenção de carne, requer um estilo de vida saudável que inclui exercícios físicos e uma atenção à variedade dos alimentos que consome”, adverte o especialista que dá palestras em todo o Brasil e que explica ser a necessidade de B12 o maior cuidado que se deve ter. “Para quem consome leite e derivados, por exemplo, nem é preciso pensar na B12, pois o que o corpo precisa é sabiamente retirado e metabolizado lentamente pelo fígado. Quem come um ovo a cada 15 dias, por exemplo, está plenamente suprido do nutriente”, ensina.
O perigo recorrente de quem abandona os alimentos cárneos é não substituí-los por uma variedade abundante de vegetais como leguminosas (feijões, por exemplo) e castanhas. Só aí já se encontra o suficiente para o bom funcionamento do corpo humano. Atletas, crianças, gestantes e idosos, todos podem se beneficiar do estilo de vida vegetariano que exclui gordura saturada, reduz o colesterol, é rico em fibras e nutrientes. “É preciso cautela na quantidade, pois muitos acabam comendo demais ou exagerando no carboidrato simples, as farinhas brancas presentes em massas e pães e acabam engordando”, adverte o médico e palestrante Silmar Cristo. Sim, pois vegetarianismo não é sinônimo de magreza como muitos pensam. Esportistas famosos aderem à alimentação e exibem orgulhosos músculos de dar inveja aos onívoros, classificação dos que comem carne.
Andy Caruzo, 45 anos e um câncer vencido, é prova disto. Corredora ativa, ela adotou o vegetarianismo há 8 anos, depois de descobrir um tumor no intestino. “Eu não comia tanta carne assim, mas como boa gaúcha, era adepta do churrasco. Ao descobrir o tumor, que matou também minha avó, meu médico comentou que grande parte dos casos era por causa do consumo de carne, sobretudo a vermelha. Pensei em como não fazia sentido sacrificar a saúde por um prazer efêmero e durante a quimioterapia também mudei minha alimentação, com a ajuda de profissionais de uma clínica natural”, relembra. A dona de casa não só cortou a carne do seu cardápio, como fez toda a família entrar na nova dieta. Minha saúde está melhor que antes e o esporte me dá mais prazer que o churrasco de domingo, além de me garantir mais saúde”, comemora Andy, para quem não faz mais sentido contemplar um pedaço de carne sangrando. “São tantos os alimentos à disposição que parece mesmo insano matar um animalzinho para comer”, advoga. [Reportagem: Fabiana Bertotti]
Comments are closed