Entenda por que, diante dos mesmos eventos, alguns adoecem e outros não
Por Júlio Leal, Revista Adventista
Diante de uma catástrofe, nem todo mundo reage do mesmo jeito, óbvio. O que não estava tão claro, porém, até 1942, era como isso se relacionava com os traumas emocionais. Foi durante a Segunda Guerra Mundial que uma verdade perturbadora veio à tona: uma pessoa ansiosa causa mais estrago que uma bomba! Em outras palavras, os fatos, por piores que sejam, têm menos impacto sobre nós que a percepção que temos da realidade em si. Isso porque o filtro de nossa interpretação e emoção é muito mais poderoso do que se supunha até pouco tempo atrás.
Vou explicar. Quando a cidade de Londres sofreu os bombardeios aéreos ordenados por Hitler, houve, entre os sobreviventes, crianças que não manifestavam nenhum transtorno psíquico. Por alguma razão, conseguiam evitar ou superar os traumas da guerra. Pareciam imunes! Mostravam uma “estranha” vitalidade. Eram resilientes. Depois de tudo aquilo por que haviam passado, como isso era possível? Enquanto tantos indivíduos eram mentalmente afetados e já não podiam se recuperar daquela experiência dolorosa, um grupo se destacava por sua capacidade de seguir em frente, vivendo uma vida normal. Os estudiosos descobriram que o poder tóxico de um acontecimento não reside apenas nas circunstâncias. “O que acalma ou perturba a criança é a forma como as pessoas afetivamente vinculadas a elas traduzem a catástrofe ao expressar emoções” (Les Vilains Petits Canards, p. 164). Foi constatado que as reações psicológicas daquelas crianças dependiam da atitude dos adultos que as acompanhavam. “Quando, durante os bombardeios, as crianças estavam rodeadas por adultos ansiosos (…), uma grande proporção delas manifestava transtornos que por vezes eram duradouros. No entanto, quando tinham à sua volta famílias serenas (…), não manifestavam nenhum transtorno” (p. 164).
Esse curioso fenômeno parece ocorrer também com pessoas adultas. Vemos, sentimos e experimentamos a realidade não de maneira direta ou isolada, mas por intermédio do olhar e sentimentos dos demais, ou seja, como um evento intersubjetivo, coletivo. Analise, por exemplo, o caso dos ex-combatentes. A História registra que os soldados libaneses tiveram menos síndromes pós-traumáticas ao voltar para casa que os “veteranos” nos Estados Unidos depois dos combates no Vietnã. Por quê? Os libaneses foram aplaudidos como heróis em seu país, sendo ali paparicados e bem recebidos. Em contrapartida, os americanos derrotados no Vietnã foram alvo de duras críticas quando regressaram. O que os outros dizem e pensam têm, para o bem ou para o mal, um peso tão grande sobre a nossa percepção da realidade que se torna, com frequência, a única realidade que importa.
Por essa razão, duas coisas ao menos são superimportantes quando enfrentamos crises, catástrofes, pandemias, enfermidades: a atitude que você tem e as pessoas com quem você compartilha a experiência da crise. Os inseguros lhe transmitirão insegurança e uma sensação constante de instabilidade. Os desesperados tirarão ao menos parte de sua esperança. Os incrédulos porão em dúvida sua fé. Os críticos empurrarão você para o negativismo. Os cínicos o induzirão à indiferença e ao desdém. Os medrosos farão você tremer junto com eles. Embora não sejamos feitos de gelatina e nossa mente não seja uma tábula rasa, é difícil sair invicto quando, além dos problemas “reais” que temos, convivemos com pessoas cujas atitudes colocam ainda mais lenha na fogueira, não é? Por isso, se lhe for possível, afaste-se delas. Todavia, se não der para ficar longe, então blinde-se, proteja-se, reinterprete, releve, prossiga. E se, pior ainda, você for uma delas, então, com a ajuda de Deus, mude.
(…)
O Dr. Belisário Marques ensina que “o mal causado por uma crença equivocada aguça a dor” (A Vida é Uma Arte, p. 153). Ele explica que os sentimentos, não os fatos, é que complicam nossas experiências de vida. O que sentimos é capaz de alterar nossa percepção; distorcer completamente aquilo que vemos ou vivenciamos. Portanto, “saber diferenciar fato e percepção pode ajudar muito na avaliação da dor” (p. 152). Isso ocorreu na prática quando uma jovem holandesa chamada Corrie Ten decidiu visitar a cidade onde tinha nascido depois de ser liberada do campo de concentração nazista no qual esteve confinada. Os anos passados ali lhe pareceram uma eternidade. Ela só queria “voltar para casa”, nada mais. “Certa noite, bem tarde, ela chegou à sua antiga rua, caminhou em frente das velhas casas conhecidas e, na escuridão, espiou pela janela da loja de relojoeiro na qual o pai dela havia trabalhado. Correu a mão pela porta e ficou escutando no escuro. Corrie lembrou-se das vozes de sua irmã, do pai e das vozes de muitos amigos; todos já mortos, vítimas do holocausto nazista. As paredes para as quais ela olhava não eram mais um lar” (George Vandeman, Você é Insubstituível, p. 60). Quando saiu dali, atraída pelo som do sino da igreja, ela caminhou até a praça onde estava a catedral. Ali teve um encontro especial com Deus, ao recordar as palavras de Jesus registradas em Mateus 28:20: “Estou convosco todos os dias”. Contra toda evidência circunstancial, ela entendeu que não estava só e que, apesar de tudo, a vida ainda valia a pena. Por isso, pôde recomeçar.
Algumas experiências de dor são inevitáveis. Entretanto, existem muitos sofrimentos que são opcionais: dependem de quem está com você, dependem da atitude de quem está com você e, em última instância, dependem de você. Olhar para o futuro com esperança ajuda. Olhar para os inimigos com ternura também ajuda. Olhar para as cicatrizes como emblemas de vitória (não como evidência de uma suposta derrota) com certeza ajuda. Não é tão difícil quanto parece, mas, infelizmente, alguns não querem ser ajudados, não sabem como ou simplesmente optarão por não pagar o preço. Nesse caso, a solução poderia ser encontrar alguém “vacinado” que entre em sua vida e faça a diferença. Portanto, quer agindo, quer esperando confiantemente, meu conselho para quem está enfrentando uma crise de qualquer tipo é: colabore, adote a atitude certa. Na pior das hipóteses, isso lhe evitará problemas. Na melhor, poderá até solucioná-los. Experimente.
JÚLIO LEAL é pastor, professor e escritor
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