Explosão no número de cirurgias plásticas revela preocupação com a estética. Mulheres acima dos 40 anos são maioria nos procedimentos.

Por Davi Boechat, Portal Revista Vida e Saúde


A preocupação com a aparência está em alta no Brasil. Em 2021, pelo segundo ano consecutivo, o país segue líder no ranking mundial, tendo realizado 2,5 milhões de procedimentos, de acordo com dados divulgados pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. Para profissionais da área, o número de procedimentos realizados para retardar os efeitos do envelhecimento ou aperfeiçoar o corpo cresceu mesmo em meio à pandemia da covid-19, que reduziu outras modalidades de cirurgias durante o isolamento social.

A razão para esse crescimento, mesmo em meio a situações adversas, pode ser explicada pelo fenômeno conhecido como “Efeito Zoom”, termo cunhado pelo cirurgião plástico Rodrigo Nascimento em uma referência ao aplicativo de videoconferências que se tornou popular em 2020. Nascimento, que atende no estado de São Paulo, acredita que a pandemia intensificou o desejo pelo corpo ideal, uma vez que o isolamento voltou as atenções para a aparência. “Se antes as pessoas costumavam olhar para si mesmas apenas quando lavavam as mãos durante as pausas no trabalho para ir ao banheiro, com a adaptação para o ambiente on-line passaram a se encarar por horas a fio durante reuniões ou aulas”, explica Nascimento.

“Dessa forma, as videoconferências influenciaram na busca por mudanças físicas. Ligar a câmera para a reunião e não gostar do que se vê na tela se tornou algo constante na vida de muitos. Defeitos que antes passavam despercebidos começaram a causar grande incômodo e, dessa forma, milhares de pessoas começaram a se interessar por soluções como as cirurgias plásticas,² explica o médico.

Ainda faltam números oficiais sobre as cirurgias durante a pandemia, uma vez que as estatísticas apresentadas anualmente pelo setor por meio da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica refletem os dados com algum atraso, como é de costume em dados desse tipo. Entretanto, a percepção dos médicos é visível nos consultórios. A corrida de obstáculos até a fonte da juventude e conformidade aos padrões de beleza encontrou atalho nos bisturis dos cirurgiões. Em Brasília, por exemplo, cirurgiões perceberam que a diminuição dos procedimentos nos primeiros meses de pandemia, resultado da proibição de cirurgias eletivas imposta em vários estados por meio dos decretos de lockdown, foi como uma represa: abertas as comportas, a avalanche foi imediata.

A popularização da chamada harmonização facial surgiu nesse contexto, puxada pela adesão de artistas e influenciadores digitais. A harmonização é uma combinação de procedimentos que pode incluir cirurgias de bichectomia, implantes faciais, rinoplastia, otoplastia e lifting facial, nas sobrancelhas, testa, queixo e nariz. 

A pesquisa “Cirurgia plástica no Brasil: uma análise epidemiológica”, publicada em maio deste ano, destaca o papel das mídias sociais como “fator que repercute negativamente na percepção da autoimagem corporal pelos usuários, elevando os níveis de insatisfação com o próprio corpo e produzindo impacto deletério no humor e na autoestima”. Além disso, segundo os pesquisadores, as “mídias não apenas contribuem na amplificação e solidificação de padrões de beleza, mas compreendem, também, fontes de pesquisa para aqueles que pretendem se submeter a alguma intervenção, sendo Facebook, YouTube e Instagram frequentemente utilizados na busca de fotografias de antes e depois do procedimento, informações sobre cirurgias, vídeos dos procedimentos e depoimentos de pacientes”.

Do total de cirurgias, 86,9% das pacientes são mulheres. A prevalência feminina se explica, em parte, pelo fato de que uma parcela expressiva das cirurgias plásticas realizadas em território brasileiro foi de operações de reconstrução mamária, 43% do total, realizadas para minimizar as consequências de cirurgias de câncer de mama. Nas demais, meramente estéticas, elas também são maioria. “Para as mulheres, a preocupação com a aparência, a menor autoconfiança e a impressão de ser incompatível com o padrão de beleza da sociedade estiveram entre os principais fatores motivacionais apontados na busca por cirurgias estéticas”, explicam.

Outro público afetado pelas pressões das redes sociais são adolescentes e jovens. Apesar de serem a minoria no total geral do Brasil, também estão na dianteira quando comparados a outros países. Números da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) afirmam que em 2016, 6,6% dos procedimentos foram realizados em pacientes de até 18 anos. Apesar de tímidos, os dados mostraram crescimento quando comparados aos anos anteriores. Esse foi o caso de Alicia Keyt que trocou um carro por próteses de silicone como presente de aniversário, quando chegou aos 18 anos. Para ela, a satisfação foi bem relativa. “Hoje, se eu não tivesse colocado a prótese, acho que teria me aceitado do jeito que eu era, porque, depois que coloquei, vi que meu corpo era perfeito”, disse a estudante de direito à Agência USP.

Devido a situações como essa, “casos em que a interferência seja desnecessária ou prejudicial à saúde do paciente, torna-se imprescindível ressaltar a necessidade de cautela por parte do profissional, além de senso crítico e ético na avaliação de cada caso”. Nesse sentido, o aumento no número de cirurgias plásticas traz reflexões para outras áreas. Setores correlatos ao bem-estar, como saúde emocional e nutricional, são importantes para compreender o fenômeno. O caminho para uma pele saudável pode ser livre de pedágios pesados ou estradas perigosas.

Espelho, espelho meu: as cirurgias são os filtros da vida real

A intensificação das videoconferências, apesar de importante, não é a única razão que tornou as cirurgias objeto de desejo. Para a psicóloga Tallyta Gerodo, a limitação das atividades ao digital deve ser somada à perda da noção da realidade, trazida também pelas redes sociais. “Nossa vida passa por filtros. Você pode até não acordar bem, mas bastam alguns retoques nos aplicativos para que possa postar uma mensagem de bom dia radiante. Em uma reunião em vídeo fica mais difícil fazer isso. O retoque precisa ser real. Na busca por esse ideal de estar sempre apresentável, muita gente acaba se submetendo às cirurgias, que são os filtros da vida real”, comenta.

Para a profissional, o papel das videoconferências é sentido também de outras formas. “Na vida diária comum, conversamos olhando para o outro. No digital, essa lógica se perde. Não olhamos mais para o outro, mas estamos sempre com um espelho mostrando a nós mesmos. Corremos o risco de perder a dimensão de que o diálogo é uma troca, por estarmos sempre olhando para nós mesmos. Ficamos autocentrados e, consequentemente, muito mais sensíveis para avaliações ruins sobre nós.”

“Eu só quero envelhecer em paz”

Um exemplo de reação ao poder das mídias está no apelo que a atriz Samara Felippo destinou a seguidores em setembro passado. Insatisfeita com as pressões das redes sociais, ela comentou: “Eu só quero poder envelhecer em paz, naturalmente”. O recado abordava os comentários depreciativos que apontavam falhas na pele desconhecidas pelo grande público na TV, quando a artista protagonizou novelas de grande audiência ainda jovem. “Essa sou eu, prestes a completar 43 anos. Eu sou muito cobrada porque as pessoas acham que eu devia ser a Érica da ‘Malhação’ até hoje, mas eu não sou”, comentou.

A prevalência de cirurgias entre mulheres mais experientes pode ser explicada por meio de uma visão negativa do envelhecimento assimilada pela sociedade nos últimos anos. “Enquanto no passado os sinais do tempo eram sinônimo de experiência, sabedoria e resistência, hoje eles são vistos como impedimento para uma vida melhor. A idade se tornou um peso à medida que representa, de alguma forma, diminuição no vigor e na disposição para algumas atividades. Uma vez que não existe máquina do tempo, as pessoas acabam buscando o cirurgião plástico. Não podendo mudar a realidade, elas têm o poder de mudar a aparência da forma que lhes pareça conveniente. Se a idade é repleta de impedimentos, a cirurgia que muda essa aparência vira sinônimo de liberdade”, comenta Gerodo.

Colágeno e a saúde da pele

A adesão às plásticas parece estar associada à idade. Quanto mais experiente for a pessoa, maior será a possibilidade de se submeter a uma cirurgia estética. O tempo parece ser combustível para a obstinação pela satisfação da autoimagem ideal. Na busca dessa conquista, outros métodos também são procurados. Um deles é tornar o uso do colágeno um aliado, popularmente reconhecido como uma das armas mais eficazes no combate ao envelhecimento da pele.

Com a função de dar consistência à pele, o colágeno é a proteína mais abundante no ser humano. Sua atuação no organismo é determinante. Na prática, o colágeno mantém “células firmes e unidas, prevenindo o aparecimento de estrias, rugas e linhas de expressão, além de também ser essencial para promover a saúde do cabelo e das unhas”, como explica a dermatologista Aleksana Viana. Além de ser produzido pelo corpo, o colágeno pode ser encontrado também nos alimentos.

Igualmente responsável pelas fibras que mantêm unhas, cabelos e diversos tecidos do corpo, o colágeno passa a ter níveis mais tímidos com o avanço da idade. Para suprir essa carência, a busca de firmeza e elasticidade durante toda a vida exige um reforço na concentração dele. Para isso, entram em cena os suplementos alimentares, contidos em cápsulas ou pó, facilmente encontrados no comércio ou encomendados em farmácias de manipulação sob prescrição médica.

Para a nutricionista Bárbara Vicente, entretanto, o consumo do nutriente dessa forma pode não ser necessariamente eficaz. A esperança do colágeno em cápsulas, na opinião dela, é superestimada. “Existem duas correntes científicas. Uma que indica tomar, outra que não indica tomar. Eu estou na segunda. Primeiro que os suplementos de colágeno, em regra, estão cheios de açúcar, corante, saborizante. Tudo muito artificial. Suplementos têm compostos químicos que não são benéficos à saúde humana. O colágeno hidrolisado não é diferente. Por isso, não resolve muita coisa. Agora, existe também o colágeno tipo 2. Esse é muito bom para pessoas que sofrem com dores nas articulações e problemas do tipo”, explica Vicente.

A nutricionista Bianca Oliveira pensa de forma semelhante. “Colágeno é uma proteína. Quando você ingere uma proteína ela chega ao seu trato digestório e é quebrada em aminoácidos. Esses aminoácidos vão seguir para a sua circulação e serão transformados em qualquer outra proteína. Comer não significa que ele vai virar colágeno em você. A exceção seriam os peptídeos bioativos, como o colágeno verisol. Nesse caso, são praticamente aminoácidos soltos que podem, de fato, estimular a produção de colágeno com algum sucesso. Há pesquisas apontando para a eficácia desse tipo específico. Já o colágeno hidrolisado é praticamente nulo para a pele, os cabelos e as unhas”, diz Oliveira.

Seja como for, não há receita simples para o colágeno. “De forma simples, é impossível dizer ao corpo: ‘Quero que isso vá para a minha pele ou para o meu cabelo.’ Mas, quando é feita uma suplementação vitamínica, os resultados são visíveis. A vitamina E pode trazer resultados mais rápidos para a pele, as unhas e o cabelo do que a proteína do colágeno isolada. A produção natural dele também demanda vitamina C. O consumo dela é essencial para a absorção correta do colágeno”, explica Vicente. “Zinco e antioxidantes também são aliados fundamentais para manter a pele saudável. Para isso, o consumo de frutas e vegetais é fundamental. Sono e exercício físico, igualmente. Exposição ao sol da forma correta, fugindo dos horários de pico das 10h às 16h também ajuda”, comenta. “Envelhecer é algo natural. A partir dos 25 anos passamos a ter uma produção menos generosa de colágeno. Vamos envelhecer, não temos opção. A melhor alternativa é se alimentar bem, ser saudável e ter uma alimentação adequada”, finaliza.

Acompanhamento psicológico deveria anteceder cirurgias plásticas

Para Gerodo, o acompanhamento para pacientes que desejam se submeter a cirurgias plásticas deveria envolver a saúde mental. Para além dos exames de risco científico e as expectativas de sucesso da intervenção, as pessoas deveriam ser submetidas a uma autoavaliação, algo semelhante ao que acontece com outros tipos de cirurgias. “Quando a pessoa com obesidade decide fazer uma bariátrica, uma equipe multidisciplinar é designada para acompanhar seu caso. É um processo longo de preparação. Os motivos que ela tem, os riscos, os medos, seus objetivos: tudo é levado em consideração. Isso faz com que ela tenha acesso à informação, não só sobre o procedimento e os cuidados que deve tomar antes e depois da cirurgia, mas também sobre ela.

O autoconhecimento é fundamental para o sucesso daquela pessoa. Penso que no caso das cirurgias plásticas deveria haver algo parecido. Muitas pessoas procuram esses procedimentos atribuindo-lhes uma esperança, mas elas estão realmente cientes do que estão fazendo? Muitos desejam passar por uma cirurgia para ficar parecendo um famoso que admiram. Veja bem, será que esse tipo de intervenção é saudável? A cirurgia pode ser segura e bem-sucedida, mas é algo bom para a pessoa? É razoável que essa pessoa se projete em características de outras e só se sinta bem quando esse desejo é atendido? Essas são perguntas muito importantes e não têm respostas absolutas. Muitas variáveis devem ser consideradas. O profissional de saúde mental pode ajudar o paciente a se perceber melhor, o que resulta em decisões mais inteligentes. O desejo de uma cirurgia pode ser alerta de problemas que devem ser tratados fora do centro cirúrgico”, explica Gerodo.


DAVI BOECHAT é jornalista

Matéria original: https://www.revistavidaesaude.com.br/destaque/o-efeito-zoom/

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